domingo, 15 de setembro de 2013


Hoje, dia 15 de setembro, meu dindo e tio David, pai do Eduardo, faz 80 anos. Ele é nossa pérola de hoje! Dedico-lhe, com amor, esse pedaço da minha memória.

O TREM 
Remexer em nossa história mais remota é uma aventura de valor tão inestimável quando foi vivê-la. É conseguir montar um quebra-cabeças que às vezes perdeu peças importantes, emaranhadas em dias por vezes negros que nos obrigamos a atravessar. É recuperar perdas, trazê-las de volta ao nosso redor, acarinhá-las, sentir seus cheiros, escutar ruídos, ser tudo de novo e compreender, finalmente, com os olhos da maturidade, aquele desenho grandioso que brota de nossas recordações. Das aventuras em Arroio Teixeira, deixei uma para contar hoje, dia em que meu dindo e tio David Menezes faz 80 anos de história e estou aqui, perto dele, para reviver seus traços e sua alegria. 
Em alguns anos de nossas férias, viajou conosco para a praia o filho mais velho do tio, o Davizinho, quatro anos mais moço que eu. Foram, como sempre, muitas aventuras mas, final de fevereiro, era hora de voltar. Saíamos cedo, almoçávamos em Porto Alegre, depois mais um ônibus até Cachoeira, para chegada à tardinha. Pois naquele dia o ônibus se acidentou. O motorista perdeu a direção e despencou num barranco, a meu ver interminável. Sem ferimentos a não ser o pânico daquele momento, atolamos em um lugar de difícil acesso, invisível da estrada. Era uma época sem telefones e precisou quase que o resto do dia para que o motorista conseguisse mandar o aviso pra empresa em busca de outro ônibus. Ficamos o dia lá e os lanches que levávamos foram se terminando. Já era noite quando chegamos em Porto Alegre e estava perdido o ônibus de conexão. O dinheiro, que seria para o almoço do familião, precisou ser usado nas passagens de trem, única chance de chegarmos a Cachoeira, numa viagem até a madrugada. Foi-se o dinheiro, foi-se o almoço, a janta, os lanches e sobrou uma turma de adolescentes e crianças esfomeadas. Davizinho e eu devíamos ter 5 e 9 anos e, antes de embarcarmos, fomos alertados que não tinha como comprar comida. Salvou-nos um sacolão de abacaxi que havia vindo para a vó e, a cada vez que passava um vendedor de lanches pelo trem e olhávamos mudos de fome, era dividido um abacaxi em rodelas. Como o tio foi avisado eu não lembro, mas quando chegamos na estação no meio da madrugada, lá estava sua alegria nos esperando e o alívio, ah, o alívio estampado no rosto. Esperou-nos com uma mesa tão recheada de pães, frios, patês, geléias, na qual nos atiramos como náufragos numa ilha cheia de luz. Lá estava meu dindo e tio David, na ponta da mesa e, naquele momento, ele era o pai de todos, a nos alimentar e acarinhar, com seus enormes braços protetores. Hoje estou em Floripa e desde ontem estamos festejando seus 80 anos. Hoje já partiu o pai para sua viagem ao infinito, já partiu a Dida, já partiu o mano Laurinho e as crianças tem novas histórias pra viver. Hoje, ao nos reunirmos nessa enorme mesa-redonda familiar, sinto que esse trem demorou uma vida pra chegar e sinto, ao olhar seu rosto na ponta da mesa, quão enorme era a fome que eu sentia de seu carinho e de sua risada espalhada no ar.

2 comentários:

  1. Parabéns ao Senhor David pelo Aniversário! Não o conheço, mas, já ouvi muito falar dessa pessoa iluminada, com uma linda história de vida. Que Deus o abençoe!
    Parabéns Clara, pelo seu Blog, leio sempre seus lindos poemas.
    Obrigada!
    Mary

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  2. Clara, a Joice me indicou teu blog. amo poesias, acho que a vida só faz sentido qdo a gente consegue poetizar as experiências...tenho três blogs, mas só um de poesias. vou colocar teu link lá, já que vc não tem seguidores. adorei teu espaço,beijos

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