quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A CELEBRIDADE
Meu primeiro emprego foi aos 7 anos. Era secretária do programa de auditório "Nossos filhos se divertem", transmitido pela Rádio Cachoeira em cada domingo de manhã, criação de José Schneider Filho, o seu Schneider, que foi diretor da Rádio por mais de 30 anos e revolucionou o conceito de participação do público no interior, com programas de calouros, shows e rádio-teatro ao vivo. A Rádio Cachoeira foi chamada de "A Escola do Rádio" pelos valores que descobriu e até hoje enriquecem o jornalismo nacional.
O programa "Nossos filhos se divertem" lotava um auditório de entusiasmadas crianças, principalmente pelo quadro "Histórias que a Vovó Conta", com a vovó Olga Bandeira. Eu ajudava o seu Schneider na apresentação dos convidados ou alcançando os papéis com os nomes dos presentes no auditório, para sorteio de brindes, missão extremamente complicada pois invariavelmente eu misturava tudo ou perdia algum papel importante e tinha de ficar ajoelhada procurando. Adorava a função e me sentia o máximo. Durante a semana seguia o colégio e as aventuras, como qualquer criança, mas domingo a vida era um espetáculo à parte. Por isso, ficar sem o programa era o pior castigo que podia haver. Dependendo do grau da peraltice era um ou mais domingos de proibição.
Numa brincadeira absurdamente perigosa com meu primo David, quatro anos mais moço que eu, jogávamos uma pedra e o outro tinha de pegar e a jogar de volta. Como ele era muito pequeno, raramente conseguia aparar e numa dessas vezes a pedra o atingiu diretamente, causando-lhe um corte que levou pontos e até hoje, cinqüenta anos depois, ainda está tatuado em sua testa. Claro que fiquei muitos domingos sem poder ir ao programa e quando voltei o seu Schneider perguntou, ao vivo e em frente a todo o auditório, por onde eu andava. Respondi alto e bom som: "estava de castigo!". Tive de contar o motivo e ele aproveitou para distribuir conselhos às crianças que assistiam o programa. E a cidade inteira ligava o rádio domingo de manhã! Transformei-me, repentinamente, numa celebridade às avessas, como exemplo de crime e castigo adaptados à nossa idade e a cada vez que era impedida de ir ao programa, precisava contar ao vivo o motivo da sentença.
Não sei bem quando tudo terminou, se perdi o interesse ou cansou-me essa exposição que eu mesma havia criado. Mas quando penso naqueles tempos, vem-me sempre à memória a magricela loirinha no palco dizendo que esteve de castigo, sem ter noção de que alguém, em algum lugar da cidade, pode ter desviado a rota de caminhos obscuros, em função das palavras do seu Schneider, que derivaram do mais inocente ato de espontaneidade.

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