terça-feira, 30 de abril de 2013



Tantas mãos 
que resvalam do aceno
e se perdem nas sombras
dos bolsos...


Meninos moram no esgoto
Mendigos morrem na rua
E eu penso nos meus dedos
embaralhando teus cabelos

Prostitutas vagam em busca de pão
Bebês são achados em latas de lixo
E eu lembro a cor do teu sorriso

Crianças passam fome
e curam feridas em barracos vacilantes
E eu sinto o gosto do teu beijo

Traficantes cortam línguas e projetos
de jovens que se drogam
E eu escuto tua voz
sussurrando sussurrando

Egoísta completa na falta desse amor
sou cão sem dono
em tábuas soltas à beira do abismo
sofrendo à míngua por nacos de pão

domingo, 28 de abril de 2013


Torturantes criaturas
essas que moram do outro lado
dos telefones
Espiam quando querem
talvez quando se cansam
do eco de suas vozes solitárias

Sou um ouvidor
à espera de uma lei
de um conceito
de uma verdade
Sou um aprendiz das outras vozes
porque há muito descobri
que os olhos enxergam pelos sons
e mais que tudo
compreendem pelos silêncios

sábado, 27 de abril de 2013


A respiração desenha um nome
na noite da janela

O Guaíba viaja em contramão
enquanto penso em ti
como fumaça na neblina

Cristal
Assunção
Tristeza
tristeza desse pobre amor
um risco a dedo
na noite da janela


O fogo subiu a encosta do morro
queimando folhas
flores e frutos
e num peito tão árido
nem sonhos daninhos

Mas mesmo assim
não me arrependo de nada
porque é no deserto
que a visão alcança
o infinito

sexta-feira, 26 de abril de 2013


Não quero mais
a pílula de veneno
no café da manhã

Não quero jato na torneira
de gás paralisante

Em algum lugar
a voz ordena
"anda" 
mas eu não posso acordar

Preciso ainda morrer mil vezes
antes que o leite morno
escorra pela garganta
e o pingo de chuva
imortalize enfim o corpo nu


Como uma fotografia
grudada no asfalto...

Os automóveis
gêmeos do tempo
sulcam o rosto
rugas de pneus

quinta-feira, 25 de abril de 2013



Os gatos andam iluminados pela casa

Não como as estrelas
que são estáticas
em sua exuberância

Os gatos andam livres
porque não tem idéia 
da própria finitude

Os gatos andam iluminados pela casa
livres pela casa
talvez como as recordações
que flutuam em ondas resplandescentes
se instalam e não se vão


A poesia 
corta o papel
sem misericórdia

Aguçado punhal
atravessando
as boas intenções 

quarta-feira, 24 de abril de 2013



Quando teu corpo sumiu no vão
sem um sinal de nunca mais
coloquei no ar apenas uma vírgula
à espera de novas palavras

Mas a pausa foi longa
eloqüente
E a vida se transformou
num grande borrão
esse imenso e indefinido
ponto final

terça-feira, 23 de abril de 2013


Fujam apavoradas
imagens de desolação

A poesia estremece
ao mais leve roçar da pena
e vaga-lumes clareiam
esse amassado retalho de papel


Hoje chegamos a 1000 acessos e esse poema, embora já publicado nos primeiros dias, foi promovido ao dia 1000, pois diz exatamente o que aconteceu. Que venham, sempre, mais palavras...
.......................
O velho poema calçou meias coloridas
e saiu da gaveta
Encontrou uma idéia nova
nua 
faminta e solitária
dentro de casa
Alimentou-a com frutos da estação
enfeitou-a com amor-perfeito
vestiu-a com perseverança
e afeto
E a idéia concebeu
enfim frutificada
pequenos novos poemas
agasalhados de inverno
cheirando à flor
e à bergamota


No paladar ainda persiste
o gosto de malícia
Lua de bala de mel
balas de festim
de um poderoso deus pagão

Mirei no peito a boca do calibre 12
pedaços de doce perdidos no espaço
fim de festa 
dos deuses endiabrados

No paladar ainda persiste 
o gosto de malícia
No peito cacos de lua
mil balas de fel


Às vezes escrevo com rima
pois encontrar a frase certa
abastece a auto-estima

Às vezes sou escrava de um soneto
pois ao chorar com métrica apurada
desmembro a queixa em carne e esqueleto
transformo a dor em forma equilibrada

Mas alívio é a sensação de liberdade
da idéia solta ao vento
É a sensação de transgredir
todas as regras

Seja com rima
seja com métrica
seja livre como quer
meu texto modernista
basta um suspiro apenas
que redima
o massacrado coração de artista


Nunca quero
aquilo que é óbvio

O uísque atiça o fogo
da garganta
e a voz
saturada de meios-tons
quer o grito
que ainda não foi dado

A poesia é óbvia
mas o desespero é criador
e do olho vazio
o desabafo explode
em lágrimas de uísque

segunda-feira, 22 de abril de 2013



Se eu morrer amanhã
certamente terá sido de amor

Bebe o mel que verterá 
de meu coração louco
se eu morrer amanhã

Contempla a paisagem de minhas dores
e no vão dos olhos ainda o amor
a exaltar-te o corpo em luz extremada

Se eu morrer amanhã
terá sido de uma ternura gasta

Se eu morrer amanhã
deixa-me ir
que o céu está adormecido
em esconderijos ondulados

Se eu morrer amanhã
deixa-me ir em busca de ar


Às vezes eu penso que não existo
Sou o sonho bom de alguém
alguém parecido comigo

Às vezes eu sinto só coração
um cálice saturado de sangue e emoção
preso ao corpo humano por castigo

Às vezes eu penso que sou metade de tudo
de tudo o que os outros são completamente

Às vezes permaneço irreal
irreal como uma fada

É um dia negro assim a me tornar demente
que conduz a doce alma a florestas sem saída
É um dia negro assim como uma espada
a me cortar em nacos do que fui
que faz da mente um mal desnecessário
e deste pesadelo a explicação da vida 


Às vezes
o amor tem 
seu rosto
tapado 
com lenços

domingo, 21 de abril de 2013


Agora!
Podes sonhar
que a página é só tua
Fica assim
assim parada
a me tocar o coração enquanto leio 

Basta um suspiro prenhe de emoção
e te devolvo ao ninho em devaneio

A página é só tua
e cada palavra é gaze que protege
Fecha os olhos devagar enquanto leio
e esse muro de Berlim reinventado
dissolve-se em transparente veio
norte-sul enfim unificado

Podes sonhar enquanto leio
que minha mão repousa em tua mão
Sentes?
Um poderoso vôo do poema
a te roçar de leve o coração


O menino limpou a casa
de suas dissidências
O menino
com seus lírios espirituais
perfumou paredes empedradas

O menino chegou e partiu
mas não partiu seu riso reluzente

O menino
com seus olhos empapados de confiança
ajudou-me a conceber no peito
um flutuante coração rosado 


Num exato amanhecer assim
num dia azul assim
vou acordar liberta
das garras desse amor

Aliviado cérebro de algodão
a balançar nessas paineiras

sábado, 20 de abril de 2013


Volto a escrever uma vez mais
a me submeter uma vez mais
às palavras
aos receios
aos desmandos do papel

Volto a escrever
porque me envolvo
nessa imensidão de provas
de desmandos
de suores da emoção

Volto a escrever e já não sou mais só
Dorme comigo a voz que fala e sente
e sussurra a cada dia
quem eu sou


Tua voz me chega ao meio-dia
como refeição

Já não preciso de arroz 
e pimentão 

Ao corpo faminto
tua música é pão 


Ah, tão insustentável poesia
que mais parece um filete de sol
desenhando a parede do quarto...

sexta-feira, 19 de abril de 2013


Como um dia de domingo
com seus lençóis desarrumados
de preguiça 
e beijo

Assim nascem as palavras

plenas de sono
luz 
e desordem



Caminho pela casa 3x4
com a liberdade
de um pássaro no ar

Como o inseto
na piscina de plástico
navega em círculos 
na dimensão do oceano

quinta-feira, 18 de abril de 2013


No início de tudo
acho que eu sabia amar melhor

Colhia flores do campo
se precisasse
Ia por caminhos de pedra
e não doíam os pés
Morria de amor
em lençóis de areia
num lar de folhas,
troncos e capins

Hoje morro de amor 
como uma estátua
e sonho com um elfo mágico
a me conduzir liberta
em suas assombrações


Tão breve o tempo de olhar o espelho
tão breve o entendimento
tão breve o dia

Infinita névoa que desfez em noite
o gesto que pedia

Infinita noite que desfez em névoa
o gesto que atendia

quarta-feira, 17 de abril de 2013


Um rosto sorridente
no porta-retrato

E essa imensidão de lembranças
que acionam 
a mesma máquina
o mesmo instante fugaz

Memórias felizes
que te fazem sorrir
pra mim
outra vez


Os amores
muitas vezes
partem muito cedo
São estrelas
que se multiplicam em energia cósmica
a iluminar galáxias desconhecidas

Os amores partem cedo
mas não se vão
Vivem em ondas a nossa volta
como o reverso da sombra
E ressuscitam em luz suprema
quando exercemos o privilégio de lembrar

terça-feira, 16 de abril de 2013


Preciso encontrar
a palavra que ainda não foi dita

O espaço 
é folha branca de papel
à espera de um grito novo

Aurélios fervilham
à minha volta
mas as letras todas 
se misturam da mesma forma

Talvez
nesse momento
apenas o silêncio
seja mágico e criador

Porque é o mistério
que produz
a língua da imaginação


Vou abandonar minha alma
num lixo qualquer
quando estiver doente

Em dias teus ela se faz doente
porque pra mim tu és o adeus

Vou abandonar minha alma
em delírios podres
quando estiver doente

Quando não te vejo ela está doente
porque pra mim és o brutal desejo

Quero abandonar-me nos degraus 
de tua porta
a suplicar
a suplicar
e suplicar urgente

Ah paixão ensandecida
que às vezes me transporta
ao milagre das acácias
E às vezes ferve em cores
a corda suicida


Enquanto Maria Callas canta "Casta Diva" num canto da sala, olho pela janela e fervo em emoção pela oportunidade de ver além do cinza do dia. De perceber as gotas de chuva como pérolas brilhando no alto das folhas, coloridas de energia vital.
Penso que o som, a emoção e esse testemunho mágico do mundo são meu mais precioso bem. E ergo o copo à vida, enquanto Maria Callas canta "Casta Diva" num canto da sala.

segunda-feira, 15 de abril de 2013



E lírico o som
que verte das entranhas
essas infinitas cordas
esticadas sob a pele

Ouço tocar os medos
e os afagos
Ouço o murmúrio
das exaltações
Ouço a alquimia
de ossos carnes e afetos

Um vulcão
um temporal
uma sinfonia inexplicável

Quem sou eu
além da pele
Quem sou eu
além de meus silêncios
e desse poema
cheio de promessas


Ah sol!
Ah luz! Pensei que não virias
Mas foi a mão ao jardim
o cheiro
o suor da criação
e tudo se clareia
se ilumina

Sou um vegetal
de braços abertos
a respirar essa aventura
de abrir e fechar
florir e murchar
de semear e brotar
e renascer


Teus remos
agitaram as águas
das palavras

Mas na imensidão
dos meus silêncios
todo traço
é marco momentâneo


domingo, 14 de abril de 2013


...........
Bem mais fácil sonhar
enquanto ainda se fumava 
oliú sem filtro
e se trocava beijos roubados
sujos de fumo
............


O poema revelou
minhas piores tentações

O poema desnudou-me a carne
em chibatadas
e revelou o amor
em azaléia e chumbo

Deixaste só o rastro do teu susto
Gemeste talvez
como se geme ao pé de vidros esfacelados
mas não se tenta impedir

De nada adiantou tudo o que vivi...

As mil luas foram devolvidas ao espaço
E as mãos
as mãos tão tenras
a encher-te o coração de asas
foram para ti
como a lendária sombra majestosa
de outra encarnação



Por favor
parem o trem
preciso voltar
para casa

Em algum lugar do passado
deixei um baú
recheado de risos
............
Poema classificado no 
Poemas no Ônibus
de Porto Alegre/RS -1997

sábado, 13 de abril de 2013


Teu corpo carrega escondido
um pedaço de céu
Talvez um pouco da lua
com sua atrevida língua de prata

Pode apostar...

Teu corpo carrega um pedaço de céu
porque sempre resta um gosto de estrelas
na boca
de manhã


Mesmo que lhe rompam a medula 
o poeta vai a qualquer lugar

Mesmo que lhe arranquem os olhos
o poeta vê lanternas na escuridão

Mesmo que lhe perfurem o tímpano
o poeta ouve a música do sangue

Nascido no primeiro verso
o poeta está impregnado de eternidade

Mesmo que o condenem à morte
mesmo que lhe abram as entranhas
um dia
num livro aberto sobre a mesa
o poeta vive 



Os demônios da palavra
libertos enfim
comandam um baile 
sem máscaras

Protegei-me então
duendes do bem
das criaturas 
que eu concebi

sexta-feira, 12 de abril de 2013


Quem vem lá?
Me diga mansamente quem vem lá?
Quem espia nas janelas de domingo
como um aveludado sol de abril?

Quem vem lá?
Quem vem lá?

O céu manda seus melhores ares
Engalanadas faces de sorriso
nas folhas viajantes da estação

Quem vem lá
que desenha meu corpo
com os mais trêmulos ares de abril?


Busquei a lufada de vento
para tornar teu ar respirável 

Busquei o perfume da folha
e o ruído da ave
e moldei vida no barro mais denso

Busquei a semente no papel
e criei o jardim dos teus sonhos

Mas não pudeste atender
Perdi teu rumo em avenidas triunfantes

Não pudeste atender
mas não desisto da flor 
e enquanto enriqueço no parque
empobreces no parquímetro


Brindaram-me os sentidos
com visão de lince
os deuses da compensação

porque os meus olhos
tão travessos olhos
são como vidraças por lavar

quinta-feira, 11 de abril de 2013



Chega
já não te amo mais
Não era isso que querias?
Já não te amo à paz das açucenas
Nao te ilumino mais em fúcsia
nos arredores de Paris
enquanto acenas
"vem..."

Pronto
já decidi
Não me apaixona mais
ternura exposta ao ar
como fumaça
Nem te prometo como tola
um caminhar de estrelas
que de tão sonho
ao reluzir em versos
só eu sossego ao vê-las

Eu não te amo mais
tá combinado
podes correr em busca de outros ais

Quem sabe então eu me surpreenda um dia
ao encontrar teu corpo num desvio
completamente carne e coração
Quem sabe até resquícios de tua mente
que de todos os milagres que trouxeste
foi a primeira imagem que partiu


No fim do arco-íris 
repousa encantado
o teu coração



Apenas o esboço
de antigas iras

Tudo se resume
a essa nódoa no papel
Poeira de grafite
misturada a gotas de whisky

quarta-feira, 10 de abril de 2013


Realmente, nunca havia dado muita bola pra minha extrema distração, até o dia em que fiquei trancada em casa.
Apesar da palavra esquecimento ter um alto cargo em meu vocabulário, sempre foi pouco comum o fato de eu esquecer minha bolsinha tiracolo em algum lugar, visto que nunca me lembrava de tira-la do ombro.
Mas o fato é que, contrariando minha mais forte característica, naquele sábado, enquanto trabalhava, lembrei-me de guardá-la na gaveta de minha mesa.
Esse rasgo de inteligência foi o causador de minha prisão, visto que minha colega de quarto viajou hoje de madrugada, trancando a porta por fora e minha chave está, neste momento, dentro da bolsinha que esqueci de trazer para casa.

Quando me vi trancada, a primeira coisa que fiz foi procurar uma saída, claro. Engraçado é que, alguns minutos antes, quando em obediência ao rei e senhor relógio, levantei-me, estava com uma certa revolta pelo domingo ser tão curto, ansiando, nesse tempo úmido, ficar o dia inteiro em casa. Agora, que me sabia trancada, com chuva ou sem chuva, procurava uma saída. Mas o problema é que as três janelas de minha diminuta casa são basculantes e eu, que não sou gorda, mas que também não posso ser chamada de esqueleto de saias, não consegui libertar nem a cabeça.
A segunda tentativa de fuga foi baseada na improvisação de uma chave. Dessa tentativa resultaram um garfo, uma faca e um compasso tortos, além de inúmeros pauzinhos e arames quebrados.
A terceira tentativa foi de arrombar a porta. Mas desisti depois de dois segundos, pois consegui, nesse espaço de tempo, entortar a dobradiça e, além disso, não teria força suficiente pra levar avante o objetivo.
A quarta tentativa foi de chamar alguém da vizinhança, explicando meu complicado problema e solicitando a generosidade de, como ser humano não-enclausurado, telefonar ao jornal onde trabalho, para que de lá viessem com a chave buscar-me. Depois de quase uma hora espiando pela janela, espichando os braços já em desespero e só não gritando porque ainda restava um pouco de dignidade, consegui enxergar alguém. Um pouco mais de tempo até que esse alguém me enxergasse e, finalmente, consegui desabafar meu problema.
Agora, já faz quase duas horas que ele saiu de carro prometendo avisar o Diário e ainda continuo trancada. Enquanto escrevo, começo a ter dúvidas se realmente esqueci a bolsa no jornal ou em algum outro lugar, que agora não me ocorre o nome...

Passo Fundo, 6 de janeiro de 1975 - publicado no Diário da Manhã do dia seguinte


Eu e minha tristeza
fizemos esse jardim
Como um poeta 
a versejar melancolia
cada fisgada é lírio da manhã

Eu e minha tristeza
fizemos esse jardim
Mais ninguém
Nem deuses
nem homens
nem a urgência de paz
que pelos galhos se intromete

Eu e minha tristeza
somos a cor arrancada da sombra
o embrião da lavoura vicejada

terça-feira, 9 de abril de 2013


Palavras
vestidas de noiva
casaram-se de manhã

Palavras
vestidas de guerra
embaraçaram os laços

Palavras 
vestidas de luto
rasgaram as rendas da boda

Agora
preciso explorar
os restos do sonho
Talvez novo ser
resgatado das felpas

Mas não escuto ninguém
nos sons escondidos no espelho


O vidro da janela
espatifou 
em som e ritmo
de orquestra sinfônica

Pobres de nós
mortais
que nos despedaçamos
em silêncio


Andei às cegas
como balão que se rompe
quando te conheci 

Andei pra trás
como elástico que solta
e naveguei em poça rasa
como um barco de papel

Agora fez-se o silêncio inesperado

Uma dolorosa pausa no tempo
antes que a vida siga seu curso
O vaivém interminável
da onda no mar

segunda-feira, 8 de abril de 2013


Deus há de perdoar
um dia tão irresponsável
Deus há de perdoar tal deserção
de suas janelas
- parto enfim no rastro
das flores que tremem no coração

A solidão com seus chicotes e cancelas
há de perdoar por tal revolução

Mas se ainda assim for necessária a dor
que outro escravo enterre em si a lança

Hoje quero a aventura de um sorriso
e a impaciência
a impaciência da esperança 


Corro ao teu encontro
desta vez incerta e nua
com dúzias de rosas no andar

Levo o amor com seu espinho
tentando tecer o linho
pela alma agasalhada

- Oh, florzinha descarada
que nos arranha o olhar 
por quase nada


Nada muito poético
me salta aos olhos

Metáforas
provérbios
verbos decassílabos
Nada
nada me surge
para sussurrar à mente

Talvez agora
de repente
a idéia das curvas sensíveis
do corpo amado

Mas isso não é poesia
É saudade
é falta
é um sem-querer de solidão 


Quantos poemas pela metade
encontrei nas caixas de papelão
E não consigo imaginá-los
como um desabafo vão 

Quintana queria missa pelos poemas
que não passam da quarta linha

Eu não...

Quero ressuscita-los
adivinhar seu tempo
sua intenção 

Misturar meus sonhos
àqueles sonhos
que também são meus

Quero
isso sim
missa solene pelas palavras
que não estão aqui
e pela verdade que em toda a vida
não descobri

domingo, 7 de abril de 2013


Todos os dias da minha vida
eu choro pelo nosso fim

Não foi um final clássico
daqueles meio down
com direito a porre
Não sai daqui ou morre

Foi algo assim meio surreal
como se as palavras ditas antes
fossem vira-latas
que paramos de cuidar
esquecidas esquecidas

Como se os sonhos dourados
fossem folhas de outono caídas
pisoteados pisoteados

Surrealismo puro
naquele não vou não quero 
virando a casa de pernas pro ar
saindo a pernas pra que te quero

Todos os dias da minha vida
eu chamo por ti
E voltas no meu lamento
e grudas como chiclete
na roupa no pensamento

E em preto um pouquinho azul
mosaico que é mais pra cool
disfarço um penar medonho
Cacos de pura ironia
prazer do leitor risonho


Nos dias muitos negros
em que não possuo teu corpo físico
na cadeira da frente
nem me alcançam teus sinais
inconfundíveis
a poesia assume o teu papel
Escuta sobre o amor
as dores e as guerras
e sobre as dissidências
que não compreendo

e responde
quase em silêncio
com as minhas próprias palavras


Sem que me desse conta
voltei a dizer sim
mas já não tenho muito 
para te dar

Da árvore sou a casca
seca e retorcida
onde o fogo acende e apaga
com a rapidez do segundo

sábado, 6 de abril de 2013


A emoção
dobrou a esquina
e acenou

Fez-se coquete
como virgem
e seduziu

A emoção
falou do amor
e suas estações

Tudo tão simples
Tão belo 

A emoção
dobrou a esquina
e como virgem
se escondeu


Os poemas são almas de papel
que manipulo ao vento

Não alcanço palavras de pedra
que esculpem demônios
em matéria bruta 

E o verbo
com sua teimosia inabalável
segue tecendo a trama
dos mesmos
mesmos
mesmos repetidos sonhos