sábado, 28 de dezembro de 2013

Melhor permanecer calada...

Sao os pássaros
que conduzem a conversa
em efervescentes
cerimônias matinais

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O SOL
Era pra ter sido o natal da desesperança. Era pra ter sido o natal das luzes apagadas e dos pensamentos sombrios. A mãe havia morrido há dois meses e era como se tivesse levado junto a capacidade do mundo acordar de manhã e rir simplesmente, pelo simples fato de existirem os dias e as noites, com sua riqueza profunda e seus ensinamentos. 
Eu tinha 5 anos, meus irmãos de 9 a 12 e, de repente, lá estava aquela enorme árvore, um pinheiro de verdade que encostava no teto, e lá estávamos nós a pendurar bolas de vidro colorido, que se refletiam em nossos olhos, trazendo de volta a cor que havia sumido sob os véus da tristeza. Na cozinha, a movimentação era intensa e, na tarde do dia 24, os pratos foram recheando a mesa de seus sabores e aromas a nos chamar à confraternização.
Num determinado momento tínhamos de sumir, não lembro bem pra onde, para que os presentes, milagrosamente, brotassem do chão em volta da árvore. Penso que, nessa época, já não acreditava no Papai Noel, pela delação de algum irmão maior. Mas, ao voltarmos, a árvore estava magicamente repleta de pacotes. Tinha um enorme, embaixo de todos, que atraiu nossos olhos ávidos, como se houvesse um fio invisível que poderia abrir o presente só com nossos olhares.
Chegaram nossos avós maternos, e com a Dida e o pai, sentamos em volta da árvore a espichar as mãozinhas a cada nome chamado, a rir e chorar com os desejos realizados, a rasgar os papéis com a sofreguidão gerada pela ansiedade. E então lá estava o maior pacote e era meu. Meu! Uma caixa enorme que se abriu ao mundo como se tivesse o poder de sanar todas as perdas. Dentro, a me devolver olhares, estava a maior boneca que eu já vi. Era quase do meu tamanho e enquanto lutava para tirá-la da caixa, os adultos nos enlaçaram com a emoção de uma ação que tinha valido a pena. Soube pela Dida, nos anos seguintes, que haviam juntado todas as economias para nos dar um natal diferente, que nos fizesse esquecer, por alguns instantes, que viver também podia ser um fardo.
Era pra ter sido o natal da desesperança. Mas aquela linda boneca, que acompanhou meu crescimento pela vida afora, foi meu mais inesquecível presente de natal, pois me ensinou que a generosidade é luz que irradia. Meus avós, o pai e a Dida haviam voado acima da nuvem negra pra nos buscar o sol e tinham conseguido reinventar, também para si mesmos, o quase perdido caminho da iluminação.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Pois não é o amor
e sua milagrosa química de sensações
que recheia nossos vãos internos
com o mais endiabrado coração?

domingo, 22 de dezembro de 2013


Dois belos textos sobre a alma desarrumada. Dois belos textos sobre a esperança de uma nova luz. Joice Bermann, com um belo poema e o Motta, que me comoveu muito em suas palavras "Que descuido o meu; abandonei-me, abandonei minha alma, deixei de lado o cuidado diário que minha casa precisa, corri o risco de me tornar mofado, cinzento, opaco."

De Joice Bermann 
Rasgue-se
O peito,
Arranque-se
As dores,
Os medos,
Os horrores.

E do rasgo
Fluam
Doces
Sonhos,
Esperança,
Acalantos,
Amores,
Cores.


De Paulo Motta
VAZIOS
Eu costumava chegar no jornal, lá em Caxias, cedo da manhã e passava pela cabine da telefonista, onde ficava conversando um pouco antes de ir para a minha sala.
Numa dessas vezes ela me olhou e disse: "Tudo bem, Motta? Parece que estás com a alma desarrumada!". Seus olhos leram a minha alma como nunca ninguém havia feito antes. Aquela moça, uma ilustre desconhecida, enxergou pela fresta da persiana da minha casa fechada e viu a mesa da sala com restos de um jantar inacabado, como se os convidados tivessem sido tragados pela noite escura sem terminar a refeição.
Alma desarrumada, alma desarrumada; demorei pra me recobrar da surpresa, como se tivesse sido flagrado cometendo algum delito, sabe? Colei na boca um sorriso inoportuno e continuei mergulhado na minha casa desarrumada, vazia mas bagunçada, quartos empoeirados com pouca luz e agora não dá pra ajeitar tudo, nem vou receber visitas, mas preciso dar um jeito nisso.
Se a menina não me avisa ficaria tudo nesse abandono que só vi agora.
Aos poucos fui trocando os lençóis, sacudindo os tapetes, esvaziando as latas descascadas das prateleiras e jogando um montão de remorsos e inseguranças no forno eterno do esquecimento, no lixo.
Tenho o péssimo hábito de colecionar saudades que, enfileiradas na janela, saltam no meu pescoço se, por descuido, passo muito perto. Ah, as saudades! Como me livrar delas sem que percebam? Fizemos um pacto, então: só apareçam quando chamadas, certo? Nem acreditei que concordaram, as danadinhas!
Abri as janelas, iluminando a cama enorme e nem lembrava da cadeira de balanço com encosto de vime ali no canto, que coisa!
Que descuido o meu; abandonei-me, abandonei minha alma, deixei de lado o cuidado diário que minha casa precisa, corri o risco de me tornar mofado, cinzento, opaco.
A partir disso procuro manter as coisas em ordem e limpas pra qualquer visita repentina - essas coisas acontecem quando tu estás de ressaca e com a barba por fazer - e sei que por mais que eu me prepare, as visitas à minha casa/alma são sempre inesperadas. Senão não teria graça, não é?
Boa noite.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Pra não rebentar de inveja
quem nesse calor derrete
esse mar que aqui graceja
congela como sorvete


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A VAGA
Num dia de calor assim, ensolarado assim, eu consegui me atropelar. Essa façanha inconcebível provocou uma reação em cadeia e a quadra inteira recheou-se de feitos improváveis.
Tudo começou em Capão Novo, às 8 horas da manhã, num sábado de verão. Sempre gostei de ir ao supermercado cedinho, com o carro lotado de garrafas de cerveja - as latinhas ainda eram muito caras -, antes do movimento e da tradicional romaria à beira do mar. Enquanto organizava a lista tive a infeliz ideia de ligar o carro estacionado à frente de casa, para ir "esquentando", num tempo em que os primeiros motores a álcool sofriam com a ressaca noturna e nos negavam seu vigor. Era um Passat azul-petróleo, estalando de novo, e eu me sentei de lado no banco do motorista, com as pernas pra fora, pois pretendia ainda voltar pra dentro de casa. Sentei, puxei o afogador até a frente pra apressar o aquecimento...e virei a chave.
Num instante, num absoluto e miserável instante, o carro adquiriu vida própria pois, por um absurdo ato de patetice, o motor tinha ficado engatado - de ré - no dia anterior. Assim que ele corcoveou pra trás, derrubou-me do banco e fiquei presa pela porta, sendo arrastada por alguns segundos, antes que ele decidisse sua trajetória por cima de carros, postes, placas e paredes do condomínio. Eu fiquei ali atirada, toda esfolada e com o pé quebrado, literalmente na sarjeta, vendo minhas economias voarem ladeira abaixo. O Passat, sem porta e sem os vidros, dobrado ao meio, foi vencido por um viga mais potente da quina do edifício. Mas deixou derrotados três carros, dois postes, a placa de mármore do condomínio e um enorme pedaço de parede. Sobreviveram, galhardamente, doze garrafas vazias de cerveja, que rolaram lomba abaixo, como se quisessem escapar de toda a responsabilidade pelo prejuízo.
Era cedo e, misericordiosamente, não havia ninguém na rua. As pessoas começaram a aparecer nas janelas atraídas pelos estrondos pavorosos. Eu ali, triste figura na sarjeta, escuto os gritos de um desconhecido, na sacada de uma vizinha cujo marido trabalhava até as 10h. "Meu carro, meu carro"! O carro dele era um dos avariados pelo Passat e tinha ficado bem amassado. Acontece que, para compartilhar a noite solitária da minha vizinha, ele havia surrupiado o carro de um cunhado, irmão da mulher dele. "Meu carro, meu carro! O que eu vou dizer pra o meu cunhado? O que eu vou dizer pra minha mulher?". Nisso chega a Brigada e tenta convencê-lo a registrar a ocorrência, para ter direito ao meu seguro, mas ele se nega. "Deixa assim, deixa assim". Ainda de camisa aberta, sem os sapatos, sem o cinto, entra no carro avariado, que mesmo assim não nega fogo, e escapa lomba abaixo. No mesmo instante em que ele passa batido pelas fujonas garrafas de cerveja, o marido chega e estaciona na mesma vaga onde ele havia estado. "O que houve, o que houve, aconteceu alguma coisa com a minha mulher?"

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

E o guerreiro enfim se lança
como um morteiro febril
a comandar a festança
das loucas cores de anil

Cansou de abanar a trança
nessa dormência senil
e se apresenta na dança
como um parceiro gentil

Fosse um ás que nunca esquece
um funcionário-padrão
eu não teria a noção

Pois tudo que se esmaece
nunca volta como vela
mas um céu cheio de estrela 



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Nada muito poético
me salta aos olhos
Metáforas
provérbios
verbos decassílabos
Nada
nada me surge
para sussurrar à mente

Talvez agora
de repente
a idéia das curvas sensíveis
do corpo amado

Mas isso não é poesia
É saudade
é falta
é um sem-querer de solidão 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Que o veneno dos meus ais
permaneça em cova rasa

O silêncio é mais...

Roupa lavada
se suja em casa

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Queria te amar melhor
queria muito

Talvez um pouco menos quieta
Um pouco de Renato Russo
a te dizer
que minha respiração
é música urbana

Não respiro quando penso em ti
Temo desassossegar o resto do teu sono
e velo como espírito de luz
em volta de teus passos

Queria ser mais febre
mais revolução 
mais tempestade

Um pouco menos dessa alma esvoaçante
que te deseja como se tocasse em flores
e que te embala
quase que em total segredo

domingo, 1 de dezembro de 2013



No Roubando de hoje, uma estréia. Joice Bermann e sua sensibilidade trazendo um pouco de luz ao nosso tempo. E o Motta nos ensinando que a risada, quem diria, também é uma arma. E que arma!

De Joice Bermann

No fio da teia,
habitam invisíveis
ternura e aconchego.


De Paulo Motta
ENFADONHA
Essa palavra me parece alguém cantando um fado maçante enrolado numa fronha, não parece? Que nem 'grandessíssimo'. Quando ouvires essa palavrona, saiba que ela não vem acompanhada de nenhum elogio: aquele grandessíssimo salafrário, aquela grandessíssima vadia, viram como tenho razão? Ninguém diz: aquele grandessíssimo cidadão de bem.
Mas se queres fazer alguém profundamente irritado, ria dele. Se queres fazer alguém descer de sua arrogância petulante primata, gargalhe dele, o efeito é devastador, garanto-lhes. Dependendo do grau de irritabilidade da futura vítima, melhor fazê-lo numa distância segura, para o caso dele querer cobrir-lhe de porrada, o que é muito frequente em tipos assim, que se acham os donos do mundo.
Alguma coisa aprendi na escola, uma delas foi a arte da azucrinação, com mestres no assunto - meus colegas franzinos - que não podiam enfrentar os grandões bonitões. No recreio, faziam um grupinho num canto e ficavam apontando para uma das vítimas e rindo a valer. Rapaiz, o cara se encanzinava e vinha pra cima, mas ai já era tarde, a maldição já estava lançada e o infeliz corria atrás dos azucrinantes mas não conseguia pegar ninguém.
Meu falecido compadre João Telmo era um mestre nisso. Pós graduado no Tibet, com monges azucrinolim, herdeiros dos shaolins.
Numa noite estávamos na frente do CTG Tropilha Crioula, em São Borja, esperando uma brecha para entrar sem pagar no baile, e encostou uma camionete bem na nossa frente e o motorista apontou um 38 pro João Telmo e falou: "Tu te lembra de mim, fiadumaputa?", e o Telmo: "Claro que me lembro, te caguei a pau, semana passada, e ainda te tomei essa bosta desse revólver!". Quase me borrei perna abaixo! Desgraçado! Meu amigo quer morrer e me levar junto, só podia! E o pior, depois da resposta do meu amigo todo mundo desatou a rir e o cara do 38 fez menção de descer e aí formou um bolo e, quando me dei conta estávamos dentro do CTG, bailando. Eu encagaçado, mas bailando ao som de Os Dinâmicos.
Então, a risada é uma arma mortífera, desde que bem manuseada, senão pode se voltar contra ti, é bom treinar antes. Existem boas academias de gargalhadas por aí, todas muito sérias, se é que pode. 
Vou fazer minha logística vespertina - uma vespa libertina - e volto logo pra ouvir o relatório da reunião de hoje, no lançamento da minha candidatura! Masbá!