quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O SOL
Era pra ter sido o natal da desesperança. Era pra ter sido o natal das luzes apagadas e dos pensamentos sombrios. A mãe havia morrido há dois meses e era como se tivesse levado junto a capacidade do mundo acordar de manhã e rir simplesmente, pelo simples fato de existirem os dias e as noites, com sua riqueza profunda e seus ensinamentos. 
Eu tinha 5 anos, meus irmãos de 9 a 12 e, de repente, lá estava aquela enorme árvore, um pinheiro de verdade que encostava no teto, e lá estávamos nós a pendurar bolas de vidro colorido, que se refletiam em nossos olhos, trazendo de volta a cor que havia sumido sob os véus da tristeza. Na cozinha, a movimentação era intensa e, na tarde do dia 24, os pratos foram recheando a mesa de seus sabores e aromas a nos chamar à confraternização.
Num determinado momento tínhamos de sumir, não lembro bem pra onde, para que os presentes, milagrosamente, brotassem do chão em volta da árvore. Penso que, nessa época, já não acreditava no Papai Noel, pela delação de algum irmão maior. Mas, ao voltarmos, a árvore estava magicamente repleta de pacotes. Tinha um enorme, embaixo de todos, que atraiu nossos olhos ávidos, como se houvesse um fio invisível que poderia abrir o presente só com nossos olhares.
Chegaram nossos avós maternos, e com a Dida e o pai, sentamos em volta da árvore a espichar as mãozinhas a cada nome chamado, a rir e chorar com os desejos realizados, a rasgar os papéis com a sofreguidão gerada pela ansiedade. E então lá estava o maior pacote e era meu. Meu! Uma caixa enorme que se abriu ao mundo como se tivesse o poder de sanar todas as perdas. Dentro, a me devolver olhares, estava a maior boneca que eu já vi. Era quase do meu tamanho e enquanto lutava para tirá-la da caixa, os adultos nos enlaçaram com a emoção de uma ação que tinha valido a pena. Soube pela Dida, nos anos seguintes, que haviam juntado todas as economias para nos dar um natal diferente, que nos fizesse esquecer, por alguns instantes, que viver também podia ser um fardo.
Era pra ter sido o natal da desesperança. Mas aquela linda boneca, que acompanhou meu crescimento pela vida afora, foi meu mais inesquecível presente de natal, pois me ensinou que a generosidade é luz que irradia. Meus avós, o pai e a Dida haviam voado acima da nuvem negra pra nos buscar o sol e tinham conseguido reinventar, também para si mesmos, o quase perdido caminho da iluminação.

Um comentário:

  1. Passando pra te desejar um abençoado ano novo.
    Meu novo blog: http://umanjotriste.blogspot.com.br/
    bjs

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