segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A JANELA
Quando fiz 10 anos, ganhei uma camisa Volta ao Mundo. Quem testemunhou os anos sessenta, com sua revolução comportamental, artística e política, sabe que a moda, como reflexo, também acompanhava essa explosão, que mudou de forma radical os costumes. A minissaia, a moda unissex, os tecidos sintéticos e, claro, a camisa Volta ao Mundo, de uma espécie de nylon, sonho de consumo de qualquer criança e jovem da época. Tinha gola e um bolsinho na frente, quase sempre de cor clarinha, uma graça. A minha era verde água. Naquele ano fomos para a praia e levei-a principalmente para os domingos, porque era "de sair". Velhos shorts e roupas menos delicadas, que agüentassem o tranco daqueles dois meses de aventuras, eram a vestimenta principal. Uma das brincadeiras mais emocionantes era subir as dunas, que naquele tempo eram enormes e se chamavam cômoros, e, de lá, rolar até embaixo, pra depois subir de novo e rolar e subir e rolar, até que o sol se pusesse no horizonte. Numa das subidas, achei a Tixinha. Era uma lagartixa bem branquinha, camuflada para a areia, que terminou com minha brincadeira daquele dia, pois instantaneamente a adotei e levei-a para seu novo lar. Dormia numa caixinha, na cozinha, e adaptou-se logo ao cardápio de insetos que eu lhe dava. De dia, passeava comigo por Arroio Teixeira, no bolsinho da Volta ao Mundo, com as patinhas de cima apoiadas na aba do bolso, como se ele fosse uma janela. Olhava de um lado pra outro e fazíamos sucesso em nossas caminhadas. Era a alemoazinha, filha do seu Lauro, com sua insólita lagartixa de estimação. Quando as férias acabaram, precisava de um lugar de transporte para a Tixinha. Encontrei uma caixa de manteiga (que na época vinha em embalagem de papelão) e junto à família e tralhas restantes, começamos a longa viagem. No meio do percurso, resolvi dar uma espiada na filha. Horror! Pânico total! A Tixinha tinha fugido. Ajoelhei-me no chão do ônibus a procurar, nessas alturas já aos berros, tirando o sossego dos companheiros de viagem. Todo mundo resolveu ajudar - pra se ver livre de minha histeria, claro - e era um tumulto tão grande, que o motorista resolveu dar uma parada no acostamento, até resolver questão tão delicada. Não lembro quem achou, mas de repente foi um griteiro, achei, achei, e a Tixinha voltou pra caixa, podendo a viagem prosseguir em paz. Em Cachoeira, no mesmo esquema entre caixote e passeio, viveu comigo vários meses, até que um dia sumiu, não sei se por obra dos gatos ou das galinhas da casa. Se foi, e me partiu o coração, como a cada bichinho que se ia, mas fez da camisa Volta ao Mundo muito mais que um simples adereço de moda. Transformou-a, a cada vez que eu a vestia, numa janela para o mundo.

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