domingo, 25 de agosto de 2013


Um dia, num poema, escrevi "ninguém avisou que havia uma curva no meio dos meus planos...". A desconstrução, quando sabemos que a vida dobrou esquinas, é absolutamente necessária, porque muda a posição do vento, a direção do sol, o movimento das ruas. E é essa desconstrução que abre espaço para um ser novo, adaptado à nova situação, e que pode ser ainda melhor que o ser de antes. Sobre isso nos fala Paulo Motta e sobre isso nos fala Gilnei Lima. Dois textos para reflexão. No contraponto, Val e o amor, Val e o lirismo de sua palavra. Que nossas pérolas possam iluminar esse domingo chuvoso.

De Val Saab
eu te procuro em todos os lugares
em todas as ruas e avenidas,
mas você não está.

eu te procuro em todas as praças,
bancos e sacadas,
mas você não está.

eu te procuro pelo céu,
pelo sol, pelas matas,
mas você não está.

eu te procuro pelos meus olhos,
na minha boca, no meu coração,
então, eu te encontro.
é onde você está!


De Gilnei Lima
A TRANSPARÊNCIA DA JANELA
DE VIDROS OPACOS.
Meu momento pessoal tem sido como as cotações das bolsas de valores e suas oscilações. São coisas que me incomodam, mas eu enfrento bem. Eu vim ao mundo com uma peça faltando. Não implantaram em mim o chip da inveja. Nem sei como é sentir isso, sinceramente. Ciúmes, claro, já senti sim. Mas é bem diferente. Eu tenho por algumas pessoas uma real e verdadeira admiração. Comigo, ao contrário, pouca gente me conhece, até porque estive longe do cenário das comunicações e do jornalismo por um tempo. Assim, quando resolvi assumir minhas atividades voltadas a minha verdadeira vocação e paixão, venho sentindo algumas escancaradas e outras veladas restrições ao meu trabalho, talvez até minha capacidade ou competência. Tendo ficar incólume a isso, mas nem sempre é fácil. Eu não sobrevivo dessa atividade, mas não vivo só de aplausos, preciso de trabalho real e sério, principalmente respeito, no mínimo na mesma medida que dou a todos os bons profissionais e outros nem tanto, mas meu respeito é linear. Cada um com seu nível de erudição, intelecto e conteúdo. Vou falar novamente em Paulo Motta. Eu tenho amizade e carinho verdadeiros por este grande ser humano. Eu não sei se a quantidade de coisas boas e ruins que ele aprontou na vida estão em equilíbrio, ou se a balança pendular cede mais à um lado do que a outro. Caberá em outro tempo e em outra instancia tal avaliação. Só sei que tem me valido de exemplar modelo de vida e de postura, pois em todas as circunstancias que esse grande homem tem vivido, nunca há momento que lhe permita emitir uma queixa, quando muito um grunhido de dor no quadril, uma lágrima por conta da síndrome de Harada, que lhe exige permanente uso de um colírio à base de corticoides, o que lhe deixou com as feições do Fofão e cabelo de plantação de algodão. Ser Paulo Motta não deve ser nada fácil. Uma pessoa com alto grau de intelecto, privado de mobilidade até que lhe seja implantada a prótese de silicone mamária, digo, de aço carbono na cabeça do fêmur, encaixada na bacia de louça sanitária, para que possa voltar a ter autonomia, como gente normal. Coisa que será impossível: Ser o que nunca foi. Mas também é preciso entender e louvar o fato de que um homem que encontra espaço para fazer com que todos se alegrem com um repertório de esbugalhos fraseológicos, diametralmente encaixados na inexatidão do contexto de coisa alguma, mas que sempre fará todo o sentido, considerando toda a solidão oculta, a dor silenciosa, que apenas é suavizada pelo alimento da maior de todas as energias: O sorriso de quem o lê anonimamente e a ESPERANÇA de que tudo sempre dá certo no final das contas.


De Paulo Motta

Conversava, hoje, com a Maria Verônica Marchiori Ahrends, um pouco sobre como é trabalhar a cabeça na minha situação. Lembrei de algo que escrevi sobre o aprendizado que está sendo pra mim essa série de restrições físicas que, temporariamente, atravesso. Estou aprendendo a desconstruir e reconstruir. Desconstruir não é destruir o que quer que seja. É mais ou menos como desmontar, delicadamente, muitas coisas e remontá-las de acordo com esse novo momento. Se não fizer isso, não conseguirei ir adiante, seja como eu estiver, fisicamente. Minha saúde física dependerá, diretamente, de minha saúde mental. E essa desconstrução, digamos assim, envolve limites e convicção de que eu não poderei mais ser o que fui; é simples, mas eu preciso me reconquistar: continuar sendo meu amigo como sempre fui sem me importar se estou mais ou menos gordo, mais ou menos careca, mais ou menos ágil, com ou sem bolsa de colostomia. Isso não é resignação, não senhor! É aceitação a partir do que é real e ponto. É uma reconstrução, um recomeço. Quando essa chapeação terminar, vamos ver o que ficou melhor e, depois, damos uma boa olhada no que não deu pra consertar. Me parece razoável, hein? Aí vou fazer pilates! Quando ouvi essa palavra achei que fosse o Pontes Pilates, aquele carinha que lavou as mãos na água benta da Capela Cistina e mandou crucificar Barrabás! Deixa pra lá o Pôncio Pilatos, ó herege! A plantonista Chun-Li carinha de desenho mangá me traz alguns comprimidos e um, esquisitinho, parecia uma pequenina ogiva nuclear, achei que fosse um supositório, mas não era, ufa! Era via oral e não anal, para entrar nos anais da minha trepidante tramitante vida médico-hospitalar. Acho que estão fazendo testes comigo, tive certeza quando passei na frente do espelho, no escuro, e estava com um alarmante brilho verde-kryptonita! A Chun-Li se retirou sorrindo como se levada, suavemente, pela brisa da noite. Isso aqui está ficando meio sobrenatural, só falta o Edison Lobão com seus caninos pontiagudos e a capa negra a cobrir-lhe o corpo esquálido e a Ideli Salvatti oferecendo cafezinho! Tiau pra vocês, gurizada medonha!

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