CORES SOMBRIAS
"Teu seio ainda está nas minhas mãos e meu sapato ainda pisa no teu" (Eu te amo - Chico Buarque). Ouço essa música enquanto pinto portas, com o pincel deslizando no ritmo desse amor desfeito. Ouço "e aí a criançada toda chega e eu chego a achar Herodes natural" (Cotidiano n.2-Vinicius e Toquinho). E o pincel chora a tinta da depressão, numa música, que junto a Pois é, pra quê?(Sidney Miller), maravilhosamente interpretada por MPB4, e Nuvem Negra, de Djavan, com Gal Costa, estampa, em cores sombrias, a desolação em toda a sua imponência. Não desfaço a dor, porque sei que, quando ela se instala, não há rosa que abra, não há samba que anime e o inferno se aproxima em fachos ardentes, os ouvidos amanhecem fechados e as mentes obtusas. Todos os abraços e gestos de ternura morrem nessa praia de águas poluídas.
Faço esse texto pensando em quem ainda não invadiu, sem sentir, o caminho da certeza. Essa visão meio transcendental de um mundo além de nós mesmos e do nosso tempo. Faço esse texto, porque já enlouqueci nessa busca frenética por motivos, quando o motivo é apenas o de estar aqui, nesse lugar de passagem, com amores que vão e que vem, com riquezas que se acumulam a cada porta fechada. Faço esse texto porque gostaria que fosse mais fácil perceber que sofrer é o outro lado da motivo, exatamente porque, num cantinho da memória, sobrevivem, para sempre, "meus sapatos pisando os teus"...
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