O CAMINHO
Quando eu tinha 7 anos quis casar com Joselito. Por volta de 1960, estava no auge o cinema infantil espanhol, com Pablito Calvo e seu Marcelino Pão e Vinho, Marisol e Joselito. Todas as crianças da minha época haviam assistido O Rouxinol da Montanha e estavam completamente apaixonadas por Joselito. Perguntei pra o pai onde ficava a Espanha e, mesmo ele tendo atravessado o oceano com o dedo no mapa mundi, não me pareceu muito longe. Então, as crianças da quadra resolvemos encarar a distância e logo logo foi construído um carrinho de lomba, com a ajuda de algum irmão mais velho aventureiro.
E chegou o dia do casamento. Com minha melhor roupa e na companhia das rivais entusiasmadas, empreendemos viagem pela calçada afora, em direção ao insondável mundo do primeiro sonho de amor. E o carrinho de lomba, numa rua sem lombas, deu voltas e voltas e não chegamos nunca a lugar nenhum, além de nós mesmos e nossas paredes conhecidas. A Espanha continuou parada no mapa mundi, com sua minúscula configuração e seu encantamento inacessível.
Fui dormir imersa na dor da primeira decepção amorosa. Joselito era um deus de voz cristalina, que me decepcionou profundamente ao abdicar, sem saber, de um amor incondicional, porque um amor primeiro.
Nos dias seguintes, continuamos empreendendo viagens. Íamos cada vez mais longe e o mapa de Cachoeira foi completamente trilhado pela pequena turma casamenteira. Mas eu havia perdido a esperança. O que começou como um sonho de amor quebrou-se em distâncias inexplicáveis e naquilo que eu desconhecia sobre fatores absolutos. Mesmo nos anos 80, quando soube do envolvimento de Joselito com o tráfico de drogas, lembrava-me daquela longínqua dor. E já sabia, então, que a sensação de desamparo que as decepções nos deixam, não importa ontem, não importa hoje, alocam no caminho interior espaços de reflexão à espera de entusiasmos irreais, dimensionando de forma cristalina cada distância traçada com o dedo no mapa.
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