domingo, 13 de outubro de 2013

De seus tesouros, Paulo Motta trouxe de volta o "Repolho" e o "Amigo" e, com o poder da memória, eles passeiam à nossa volta como se fôssemos todos crianças numa encantada brincadeira de roda...

De Paulo Motta
Está passando um filme de uns chinchilas transgênicos que fazem misérias. Até falam! Coisas do Walt Disney. Lembrei do meu filho, o Lobinho, quando lhe dei um bichinho parecido, lá em São Borja. Na Pracinha da Lagoa, tinha um caminhão vendendo esses bichinhos. Ele ficou encantado - com seus seis anos - e batizou-o de Repolho. Levamos pro sítio, em Conde de Porto Alegre, uns 80 km de São Borja, onde passávamos parte das férias. Numa tarde percebi o Lobo muito ativo e silencioso, em seguida cavou um pequeno buraco e ali, enterrou um vidro tampado, com alguns bonecos do Kinder Ovo e outra pequenas bugigangas. À noite perguntei-lhe qual era o objetivo de enterrar aquilo, e ele: "Pai, ano que vem vou desenterrar o meu tesouro, fiz até um mapa, olha!". Voltamos, no outro ano e ele, de mapa em punho, desenterrou seu tesouro, e o Repolho sempre por perto, roendo alguma coisa. Aquilo me remeteu à infância - em São Borja - das matinés com troca de gibis e balas do João das Balas. Depois íamos pra casa brincar de agente secreto ou de Zorro. O quintal lá de casa era imenso, onde meu pai, o Beltrão, sisudo sargento do Exército, plantou pereiras, cáquis, mamoneiros, abacateiros, parecia uma selva, onde eu montava meu Forte Apache e o acampamento dos índios, preparava-os para a guerra de brinquedo em que os mocinhos soldados sempre ganhavam. Quase sinto o cheiro da terra úmida, quando eu escavava pra fazer um rio. Havia lugares nesse pátio, que era o meu mundo, cheio de musgos, por causa da umidade, e era legal fazer estradas pras carrocinhas dos pioneiros passarem e serem atacadas pelos índios. Meu cachorro vira-latas amarelo, o Amigo, pulava ao meu redor de orelhas em pé, entusiasmado com o movimento. Algumas rãs nos observavam dentre troncos meio apodrecidos, pareciam se divertir com a brincadeira. Anoitecia e chegava a hora do banho, sob protesto Um dia acordei em Porto Alegre, atrasado pro trabalho, com uma saudade profunda daqueles dias e me dei conta que ficaram pra trás. Meu cachorro, o Amigo, meu Forte Apache, meu pátio encantado e a minha infância. Mas tudo está guardado num porta-jóias empoeirado que, de vez em quando abro, pra ver se ainda estão ali, pra nunca esquecer da criança que fui. E acho que, de coração, sempre serei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário