sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A VESTE
Era um domingo de inverno ensolarado. Domingo de brique, cinema e happy hour no Olaria. Havia ganho uma saia de lã marfim, abaixo do joelho, que completei com uma túnica e meia-calça vermelhas e a bota preta pra fechar o conjunto. Como se vestisse o mais requintado modelo Rui Spohr, sentia as ruas da Cidade Baixa como uma grande passarela ao meu dispor. Desfilava pela Joaquim Nabuco ou Lopo Gonçalves, normalmente calmas no início da tarde, caminhando e viajando pelos contornos de minha imaginação, quando o inesperado aconteceu. Muito além de qualquer pesadelo, a saia, aquela bela saia tubinho abriu seu fecho e escorregou até a calçada. Num instante, o que era pra ser um sonho de luxo explodiu em susto no ar. Em choque, olhando pra baixo, visualizei aquele amontoado de roupa em volta da bota e eu no meio como um mastro vermelho de uma bandeira arriada.
Ao redor, as ruas sossegadas me deram alívio e rapidamente tentei puxar de volta a saia pra seu lugar de origem, mas o fecho havia trancado na meia. Eis que então, num aterrador momento, ouvi garotos que saíam com uma bola do prédio em frente, a gritar incansavelmente, "a tia perdeu a saaaaia, a tia perdeu a saaaaia, a tia perdeu a saaaaia....." como um bordão interminável. Claro que apareceu mais gente, atraída pelo bando de guris, que esqueceram a bola em troca de um jogo mais inusitado.
Não sei como, voltei meus passos de volta à casa, mais vermelha que a meia que morria rasgada, num ato de fúria de um fecho traidor. Restou-me muito pouco do domingo de sol, muito pouco do traje elaborado, mas as risadas que pude dar quando passou a vergonha, as risadas que provoquei quando contei a aventura, valeram como uma veste de luz num tempo às vezes difícil. Essa luz que traja o rosto, essa luz que traja o peito e as esperanças surge como que por milagre, quando nos entregamos, sem volta, à magia de um riso feliz.

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