sábado, 1 de março de 2014

O ABRE-ALAS
Era o meu primeiro baile de carnaval noturno. Ah, como demoraram a chegar aqueles dias de março, que gritariam ao mundo que aos 13 anos eu já podia fazer parte do seleto grupo de foliões entusiasmados. O carnaval tardio nos premiou com as quatro noites do Clube Comercial de Cachoeira e, acompanhada do Laurinho, meu mano guardião, debutei algum tipo de liberdade que não conhecia, a de testemunhar o universo adulto em ebulição.
Naquele ano foram anunciados dois concursos, o de fantasia e o do melhor folião. Como minha fantasia era simples, improvisada, ela não trazia em suas cores a menor esperança de se evidenciar, mas eu poderia ser a rainha das pistas com aquilo que - acreditava eu - trazia de melhor: a juventude, a energia e a alegria por estar finalmente ali. E dancei muito! "O teu cabelo não nega, mulata...", "olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é", "você pensa que cachaça é água..." ou a mais contundente "chegou a turma do funil, todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto...". Marchinhas politicamente incorretas mas que entoavam em nossos carnavais como verdades incontestáveis. Desde a primeira noite, um-dois, um-dois, dava voltas e voltas vertiginosas pelo salão, sempre pelo lado de fora, para ser notada pelos atentos jurados. Os braços eram como asas parecendo prontas a voar. E num esforço além daquela marcha desenfreada, criei uma coreografia com a cabeça, que subia e descia no ritmo da música, como numa concordância perene.
E assim se passaram quatro noites sem que eu as tivesse visto passar. Pelo incansável "allah-la-ô" e por ter deixado meus oito graus de óculos em casa, num ato de vaidade adolescente.
Chegou o final da última noite e eu era um fragmento do meu próprio corpo. A musculatura e a voz haviam dançado para outras searas e a única célula que me fazia respirar era a certeza da vitória. Mas sem que eu pudesse acreditar, a escolhida foi uma senhora muito idosa que havia ido às quatro noites, mas que mal sacudia os ombros, sempre sentada em seu lugar. Uma escolha emblemática de alguém que sempre havia contribuído para o carnaval cachoeirense em seus dias de glória.
De volta ao mundo que conhecia, por muito tempo engoli a decepção daquele carnaval. Ainda não sabia, mas para dentro de mim, cantando o abre-alas, marchava uma nova visão do mundo com sua faceta de cartas-marcadas. Minha coreografia de patinha esquisita perdeu a ilusão e o carnaval, que teria perdido de qualquer jeito, mesmo numa disputa justa. Muitas vezes ainda disputei, na época dos festivais de música, e mesmo com muitas vitórias senti na minha arte o poder dos conchavos.
Por isso, hoje, não remo contra a corrente para vencer um oceano que não é meu. Meu barco é uma serena nuvem de algodão, navegando de acordo com os ventos...

Um comentário:

  1. Querida Caca,
    Deixo meu comentário para que saibas que estou lendo teu blog e amo tudo, especialmente as tuas crônicas da infância, com as quais me emociono, dou risada e te conheço mais um pouco.
    Beijo grande,
    Fabiana

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